Quando era miúdo fui obrigado a praticar desporto. Eu sou péssimo em desportos coletivos, por muitas razões. Uma delas é porque corro como um pato, outra é porque sou descoordenado, e outra ainda é porque não tomo boas decisões sem pensar durante algum tempo. Nada disso é aceitável. Impõe orgulho obrigatório a qualquer um e esse orgulho é esquecido. Em termos desportivos, é igual a afirmar que o LeBron James é péssimo porque não ganhou o campeonato. Ou que o Pacino é terrível porque não entra num filme decente há alguns anos, ou que Sobrenatural é horrível porque devia ter acabado na quinta temporada. Agora querem obrigar-me a praticar desporto. Outra vez. Chegámos todos a um ponto que se tornou intragável sair de casa. Quando não há razões suficientes para tomar banho e vestir. Aqueles 3 dias seguidos que não se sai de casa e se entra em hibernação. Há 3 semanas atrás, estive na aldeia. Perguntaram-me porque é que nunca ia ao café e, ao que parece, não gostar de cafés não é uma boa resposta. Agora, se tivesse enunciado a quarta Lei de Newton, sim, era aceitável eu poder ficar em casa. Também me perguntaram porque é que não ia ao baile (para os que não sabem, baile=acordeões, quim, emigrantes, cerveja, abraços a primos nunca vistos). Não, nada disso são boas razões, porque... não. Qualquer Lei da Termodinâmica talvez resultasse agora. Depois chegam as questões mesmo absurdas. "Oh Miguel, estás sempre a ver filmes, agarrado ao computador, porque é que não convives connosco?", o que não se sabe é que passam a tarde toda com os cornos no sofá a ouvir as tardes da Júlia e a ressonar. Não que eu me oponha a ver a Júlia, ou as novelas, ou a Volta a Portugal. Não, isso não. É sagrado ver a Volta, porque não é entediante. "Oh Miguel, sempre a ler! Não devias ler tanto, faz-te mal.", e para esta não tenho resposta porque têm razão. Eu não devia ler, eu devia ver as novelas todas, coscuvilhar sobre a minha prima em segundo grau que usa fio dental, a outra prima que encornou o meu primo. A verdade é que eu já não gosto de ir à aldeia. Enquanto o meu avô era vivo, havia respeito e menos bocas. Até chegava a haver fraternidade. Mas chegámos todos a um ponto que se torna infernal conviver com a família. Aqueles 3 dias que levámos com todo o tipo de pessoas com o período, qualquer ação é analisada, alguns cães com o cio e somos todos julgados. A minha família tem um pouco de Caeiro. Deus está espalhado por todos eles. Oh, e Agosto! Agosto é o mês da comparação dos filhos. Então eu perco sempre, porque a minha mãe é ingénua e utiliza logo os melhores argumentos no início (boas notas). A partir daí é o caos, é, sim, porque eu não sou social, falador e porque não coscuvilho. Todo eu sou erros. Erros de manhã e de tarde, e de noite não os há porque ninguém está em casa. Assim eu fico sozinho e os erros são agora meus e alteram logo o seu nome. E o que mais enoja, o que mais arrepia, é a falta de vontade de ser melhor. São todos iguais. Noutro dia falei com ela sobre isso, sobre faíscas. A Teoria das Faíscas: Existem milhões de pessoas e muitas são... dispensáveis. Não têm faíscas, são entediantes, previsíveis, monótonas e vivem assim a sua vida, sem dor de excessos ou a dor da incapacidade de se extrapolarem. Existem os outros que parecem fadas e nem sequer é preciso falar com eles. Algo dentro do corpo humano é atraído para isso, olhamos para eles e sabemos automaticamente que são especiais. Todos os órgãos se revoltam e contorcem na vontade de proteção do que torna qualquer um especial. Existe conectividade. Sentimo-nos presos, ligados, não só a sensação de laço que existe previamente, mas são automáticos todos os outros sentimentos de espanto, de faísquicidade. Existem pessoas que não conheço de lado nenhum, que nunca vi, nem nunca falei, nem tenho intenção sequer, que sinto necessidade de proteger, que estejam bem. O mundo não foi feito para nenhuma destas pessoas, elas são comida. O mundo consome-vos a vocês e às vossas habilidades especiais. Para ser consumido basta acordar de manhã. Basta não usar o Internet Explorer. Basta tentar mudar mentalidades, basta tentar ensinar. E basta de tentar, porque toda a gente teve 3 dias sem tomar banho e nem sequer queria.
Não te vai ajudar em nada, mas deixa-me que te diga que dificilmente isso muda: tenho quase 30 e a minha irmã, as minhas primas, as minhas segundas primas e por aí fora é que são as boas, as responsaveis, as "tudo".. Eu continuo perdida no meio do rebanho!
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